sábado, 20 de novembro de 2010

Modernismo norte-americano: Eliot, Pound, cummings, WCW e Sylvia Plath

Por André Dick

A grande semelhança entre Ezra Pound e T. S. Eliot – dois dos maiores poetas norte-americanos do século XX – foi a “consciência da cisão”, diante da pluralidade de tradições que surgiu com o movimento poético anglo-americano. A ida de Pound e Eliot à Europa é uma busca às fontes originais, não um exílio. Afinal, esta é a busca do poeta moderno, cuja trajetória representa a “queda, separação, desagregação”, mas, ao mesmo tempo, é o caminho da “purgação e reconciliação”, segundo Octavio Paz – o que pode ser percebido na obra poética de Eliot, que bebe principalmente em Baudelaire, como, anteriormente, Edgar Allan Poe fizera, mas apoiado numa percepção da Divina Comédia, de Dante Alighieri.


No caso de Pound, sua ideia de tradição é mais “confusa e mutável” que a de Eliot, pois sua trajetória consiste não na tradição central, mas na tradição da busca. Desse modo, Pound procura, para os Estados Unidos, uma saída confuciana, como observa Paz. Os cantos é a prova dessa multiplicidade introduzida por Pound na forma de uma poesia que não sobrevive sem o desencantamento obtido pela modernidade, sem a inclusão de um certo Orientalismo que se manifestou de forma universal a partir de sua investida em estudos do ideograma. Enquanto para Eliot a poesia é a “visão da ordem divina a partir daqui, do mundo à deriva da história”, para Pound, é a “percepção instantânea da fusão da ordem natural (divina) com a ordem humana”. Se Eliot leu As flores do mal sob uma visão dantesca, Pound fez uma releitura da Divina comédia em seus Cantos. O “regresso ao criador”, que se manifesta na obra de Dante, torna-se num regresso a ninguém, na obra de Pound.
Em seu ensaio “Tradição e talento individual” (1917), Eliot considera que a tradição precisa ser reconquistada, e o poeta cria para si mesmo uma tradição, estabelecendo relações sem os quais o passado e ele mesmo careceriam de significação e valor. Como Pound, Eliot busca essa multiplicidade nas leituras de autores clássicos, indicando que não há nenhuma obra isolada, mas um conjunto de relações.


Em Pound, como se sabe, influenciado por Nietzsche, há uma preocupação com os futuros pupilos que lerem ABC da literatura ou How to read. Assim, o poeta, com visão sincrônica e não diacrônica, não pode se manter isolado num tempo e num lugar, e sim buscar um continuum de relações, privilegiando o presente, colocando o passo num processo permanente de revisão. Pound era um admirador incondicional da obra de Eliot, que havia composto um dos poemas mais importantes do século XX, The waste land. Mas era – como um poeta moderno – dos mais problemáticos e infelizes, muito em razão das dificuldades financeiras que enfrentava. Este poema de Eliot acabou sendo considerado o exemplo mais espetacular do gênero do século XX – talvez também o mais conhecido.
Antes de chegar à sua versão final, no entanto, o poema foi lapidado por Pound. Numa espécie de revisão, ele empregou técnicas de seu Os cantos: simultaneísmo, cortes elípticos, fanopeia trabalhada ao limite. The waste land é, por isso, o poema-chave da obra de Eliot. Pound não exagerava quanto à importância dele. Mas como Eliot escreveu, na dedicatória de The waste land, Pound era o “miglior fabbro”.
A sua poesia não pode ser entendida sem a de Pound. Daí ele não ser tão fiel aos fatos seu ensaio “Tradição e talento dividual”, em que diz que cada autor cria seus precursores. Eliot, a seu modo, foi criado, mais que por seus precursores, por seu contemporâneo. E isso fica visível quase ao longo de toda sua obra. Capaz, sim, de ombrear com a de Pound, tanto na parte crítica quanto na parte ensaística (seus estudos sobre Dante, por exemplo, são referenciais), Eliot era, no entanto, mais reservado.
Hoje, ele é pouco reverenciado nos Estados Unidos. A crítica norte-americana que estuda as vanguardas vê em Pound um exemplo mais forte de precursor para a poesia norte-americana. Marjorie Perloff, em livros como The poetics of indeterminacy e O momento futurista, por exemplo, estuda Pound com especial atenção.


Eliot, na verdade, não cai do gosto das vanguardas por seu típico discurso conservador já no fim de sua vida. Mas sua obra é extremamente atual. Poemas como “J. Alfred Prufrock” são excepcionais. Mesmo outros mais tradicionais, como “Quatro quartetos”, impressionam. Trata-se de um poeta da ruptura e, ao mesmo tempo, um poeta tradicional – serviria bem de exemplo a Octavio Paz em sua concepção de modernidade. Ao mesmo tempo que lida com novas técnicas, não se furta a usar formas mais clássicas. Emprega a retórica e o discursivo, em algumas peças, mas destrói a sintaxe corrente em outras, lançando imagens caóticas de um mundo selvagem ou deserto – uma imagem importante para sua poesia. É um poeta dos extremos, dos limiares, e influenciou, como Pound, boa parte da poesia do século XX.
No Brasil, foi recebido com menos atenção do que Pound, em razão da poesia concreta. Os poetas concretos viam em Pound um representante legítimo de suas experiências, enquanto Eliot, ao se tornar um conservador, posava melhor na fotografia ao lado dos poetas da Geração de 45. Mas ele não merecia isso. A poesia concreta sabia da importância de Eliot. Este, com ou sem conservadorismo, primou por poemas de alto nível. Eliot sabia, como Mallarmé, que o caráter do poeta não era calculado por aquilo que ele falava de si próprio em seus poemas nem pelo sentimentalismo (lembre-se de Mallarmé, quando perguntado por que não se emocionava em seus poemas: “Eu também não assoo meu nariz neles”). Nesse sentido, Eliot foi implacável. E moderníssimo.
Essa maior obra, em tamanho, de Pound ficou conhecida no Brasil graças às análises percucientes de Mário Faustino, de Augusto e Haroldo de Campos, e Décio Pignatari, mas antes de tudo em razão de ter sido mencionada na teoria da poesia concreta como um exemplo de obra em que o verso era representado sintético-ideograficamente. O nome de Pound está espalhado por vários textos da teoria da poesia concreta, que são de grande valia, mostrando como os irmãos Campos e Pignatari possuíam conhecimento dos procedimentos poundianos no universo poético. Seu interesse foi ao encontro de Mário Faustino, outro admirador da obra do poeta norte-americano, capaz de investigá-lo no Jornal do Brasil por meio de traduções e ensaios. Pound costuma ser esquecido, mesmo sendo, conforme Eliot, o “miglior fabbro” e, por duas vezes, no Cânone ocidental, Harold Bloom se refere a ele e a William Carlos Williams como “casos problemáticos”.


Existe uma bela diferença entre a atitude de ambos em relação à pesquisa na Europa de fontes literárias. Enquanto Eliot ainda acredita numa cultura anglicana, Pound está interessado na proliferação e na polifonia: recupera a tradição chinesa, o simbolismo bem-humorado (de Laforgue, Corbière), o sarcasmo mordaz de François Villon, reencontra os provençais, ou seja, recupera tudo que não interessa ao “olhar acadêmico”, que, afinal, eleva Eliot às alturas. Em matéria de crítica, não há dúvida de que Eliot parece mais completo, mais elegante e mesmo objetivo, embora Pound tenha uma verve menos academicista, embutida de bastante caos (embora ele goste daquele dichten = condensare), tendo sido o autor que mais agradou a John Cage (seu “Diário de como melhorar o mundo” dialoga com Os cantos). Quem foi mais importante? Ambos se completam. Eliot foi um fervoroso reacionário no fim da vida, sobretudo no que se refere à atitude diante da tradição inglesa que, para ele, era o ponto alto da literatura. Pound, por sua vez, enxergava mais pelo viés da Alteridade: do outro. Ele ter corrigido o Waste land, reduzindo-o a poucas páginas, que valem por muitas dentro da tradição ocidental, é sinal de que sua visão ao outro era mais apurada. Pound não ajudou apenas Eliot. Como lembra Augusto de Campos, Pound foi uma espécie de introdutor literário a figuras como W. C. Williams, James Joyce. Quando imaginou um leitor, a quem Joyce mandou seu Finnegans wake? A Pound, que desprezou a tentativa experimental do amigo, apesar de ter considerado Ulysses uma obra-prima – ele também desvalorizaria o Un coup de dés, aliás Mallarmé de modo geral (embora, em cartas a Augusto de Campos, publicadas junto com o ensaio “Pound (made) in Brazil”, de À margem da margem, ele reconsidere o Un coup de dés). Ficou com Rimbaud, que perseguia a tradição de Catulo, como ele escreve em ABC da literatura. Um autor de escolhas, no plano literário de extraordinário olhar.
Ao lado de Eliot e Pound, outros poetas formaram não uma corrente, mas uma geração de grande nível, em que se incluem Wallace Stevens, Marianne Moore, W. C. Williams e e. e. cummings.


Quanto a cummings, por exemplo, Augusto de Campos ressalta que “há uma forte presença cummingsiana na obra de Cage, que compartilha com o poeta uma generosa ética anarco-individual da cidadania americana, com raízes comuns na “desobediência civil” de Thoreau” (ele novamente). Na verdade, Cage é o principal continuador das experimentações, vitais de Marianne Moore (sobretudo esta), de Gertrude Stein (aquela rotulada pelo poema “uma rosa é uma rosa é uma rosa”), de Pound e dos objetivistas, como Louis Zufovski.
Se para cummings, o “mais vivo de todos nós”, na consideração de Pound, a letra é físsil, como lembra Haroldo de Campos, e dialoga com a quebra ocidental da discursividade, seja por meio da leitura de uma folha caindo da árvore, seja por meio de um conjunto de constelações revestidas de pensamentos, em WCW, como aponta também Haroldo no ensaio “William Carlos Williams: altos e baixos”, o “que interessa é o que contribui para o futuro da linguagem poética, é o ‘objetivista’, de linhagem radicada no imagismo”. Ou seja, é o “Williams de certos poemas curtos, dono de uma apurada técnica de cortes, que serve a um contínuo negacear com o espaço gráfico – não mais um fator neutro, mas, em certa medida, um termo ativo na estrutura de suas peças –, por meio da qual a linguagem (às vezes uma só frase, um fio de frase desenrolado em carretel) é escandida em ictos sensíveis; uma linguagem que retém a inflexão do coloquial, porém minimizada, reduzida a notações de cor, som, forma, ambiente, donde o ritmo espacial, que contraria os morosos hábitos de leitura, através de destaques e pausas imprevistos, gerando articulações novas”. Como assinala Michael Hamburger, em A verdade da poesia, Williams é um poeta “cuja obra está cheia de pessoas, lugares e coisas”.


Haroldo atenta para o fato de que Paterson, o poema com objetivos épicos de Williams, no encalço dos Cantos poundianos, nunca conseguiu fugir ao epigonismo. Porém, na verdade, o que parece é que Paterson é uma coleção de poemas curtos reunidos numa mesma obra – afetados, o que não acontece na maior parte da obra de Williams, por um certo surrealismo que acaba desequilibrando o tom geral (embora haja Giorgio Agamben para dizer que se trata de um dos maiores poemas modernos, em Estâncias). Os poemas curtos de Williams já estão incorporados à tradição ocidental, assim como seu maior influenciado, Robert Creeley. Poemas que lidam com pequenos núcleos de imagens que vão criando um diálogo até se perfazer a obra, isso, é claro, quando não evoca a fala cotidiana e constrói blocos de versos a partir de certas reflexões corriqueiras – a imagem do pai é contraposta à de um pássaro. A Black Mountain College soube fazer uma síntese da obra de Williams; no entanto, é bom lermos a sua poesia independente de certas leituras de escola, com o intuito de que não seja rotulada. Desse modo, seu objetivismo é um grande legado, mas não o único: encontramos em WCW uma espécie de linguagem universal, capaz de unir paisagens a partir de um olhar do interior norte-americano que é também extensivo a muitos lugares pelo mundo. Uma gato, em WCW, é “o” gato – independente do lugar. Nesse sentido, ele se aproxima da poesia concreta.


Há muito WCW na poeta Sylvia Plath, que pertence a uma geração posterior daquele modernismo clássico, com um estilo ao mesmo tempo intimista, peculiarmente feminino, e atrevido, ao passo que ousa bastante num terreno complicado, que é a poesia. A vida real de Plath se assemelha muito à sua poesia: dolorida, tomada de tristeza e melancolia, mas, ainda assim, estruturada na linguagem – e, paralelamente à sua composição, culmina no doloroso suicídio. Sua dicção é tão inconfundível que não seria exagero considerar que ela deu um passo à frente da poesia de cummings e Whitman, expandindo os valores e sentimentos da mulher para todos os lados dentro da cultura norte-americana, utilizando formas de expressão interessantes, por meio de uma linguagem muitas vezes “feminina”, mas não “feminista”. Suas referências ao casamento, a ter filhos, a hospitais, a espinhos que machucam sem cicatrizar, a certos arrependimentos e ódios vão desenhando um mosaico complexo, que não se restringe à mulher do interior norte-americano subjugada pelo homem. As rosas e os lírios de Plath falam da sua alma labiríntica e da crueza do corpo. Não há busca do sentido épico das coisas, pessoas e lugares como em Eliot, Pound e Williams, nem o experimentalismo radical de linguagem de cummings. No entanto, é justamente nas pequenas observações cotidianas que a poesia de Plath adquire muita importância. Pode não apresentar o conflito religioso de Eliot, ou a busca pela tradição universal de Pound, nem o desenho do interior norte-americano de Williams, mas é justamente em suas construções verbais, sem as elipses e cortes de cummings, que vai se abrigar alguns dos momentos poéticos mais densos do modernismo. O suicídio de Plath não é menos característico da desesperança moderna do que a reclusão de Eliot e o distanciamento de Pound. É outra face da mesma moeda. São de Plath os momentos mais interessantes da poesia norte-americana depois de Pound, Eliot, WCW, cummings e Wallace Stevens – seria um equívoco, claro, esquecer Marianne Moore, mas esta merece uma interpretação à parte, baseada sobretudo no bom humor com que evoca paisagens e comportamentos típicos dos norte-americanos.

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