terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um concreto ainda mais à margem

Por André Dick


Deve-se lembrar da obra de José Lino Grünewald (1931-2000), o poeta concreto mais bem-humorado, autor de peças antológicas como “serviço público”, “sufixar” e “vai e vem”, reunidas em Escreviver, reeditado pela Perspectiva, de textos críticos sobre o movimento e sobre literatura (incluídos em O grau zero do escreviver), e de traduções, sobretudo as dos Cantos poundianos e de poemas mallarmeanos.


A edição da Perspectiva, com os poemas da primeira edição (da Nova Fronteira), uma seleção de inéditos e textos sobre a obra do poeta, mostra que Grünewald, apesar de ter produzido pouco, depois dos anos 1960, é um poeta realmente indispensável, para compreender tanto o movimento da poesia concreta quanto uma certa poesia mais estrutural e, para alguns, excessivamente culta. O seu livro é uma perfeita fusão entre certas ideias de vanguarda e um estilo clássico. Ou seja, Grünewald transita pelo concretismo com a mesma desenvoltura que transita pelo soneto.
Os seus poemas têm um aspecto mais bem-humorado do que os outros concretos. Peças como “sempre ceder”, “durassolado”, "apertar o cinto", e “frase” mostram bem isso. Assim como o antológico “vai e vem”:


Na fase partipante da poesia concreta, José Lino escreve poemas como "dono", "carne leite pão" e "parlamentarismo". Além disso, ele utiliza o espaço da página de maneira efetivamente atraente, mesmo sem utilizar uma tipografia mais variada, como aquela utilizada por Augusto sobretudo a partir de seus Stelegramas, nos anos 1970. Ou seja, há, em José Lino, uma simplicidade e, ao mesmo tempo, uma maior ortodoxia (numa opinião respeitável, Augusto afirma que ele é “o mais ortodoxo dos concretos”, quando essa “acusação” costuma ser feita ao seu próprio trabalho, e realmente os poemas de José Lino aparentam seguir quase fielmente a teoria da poesia concreta, mais até do que os do trio Noigandres). No entanto, não me parece ser ortodoxa a postura de José Lino. Até por ter sido crítico de cinema, sua poesia lembra muito cortes de filmes, lances quase cinematográficos, além de quando, é claro, utiliza uma tipografia mais concreta.


Se a geração de 45 tentou realizar sonetos, José Lino vem mostrar que é possível fazer poemas em duas quadras e dois tercetos com rara desenvoltura – e modernidade (vejamos os dois tercetos de "os vossos olhos mia gentil senhora"):

pouco seria o que por vós me peno
se pouco o canto fosse e breve a dor.
volver de pálpebras, um leve aceno

os gestos tênues num suave amor
e seu silente olhar me não feria
nessa colheita, serena em lua fria.

Não raro, seus sonetos lembram peças clássicas: bem arquitetadas e bem tramadas, sem nenhum excesso, mas também não simplistas. Despojamento é a palavra-chave para definir essa poética de Grünewald que mostra um arrojo verbal difícil de ser esquecido. Ao final, seu poema "cartascantos", constituído por lembranças e fragmentos de cartas, buscando diálogo com os cantos poundianos, é uma das tentativas mais bem-sucedidas de poema longo metalinguístico já realizadas recentemente no Brasil. Lembrando em alguns poemas a “Rosa d’os amigos”, de Pignatari, e o “Ad augustum per angusta”, de Augusto, José Lino, no entanto, emprega um bom humor mais visível – sem cair numa poesia coloquial –, misturando versos livres com versos rimados com rara desenvoltura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário