sábado, 2 de abril de 2011

Kurt Schwitters: o dadá alemão (I)

Por André Dick

Há uma tendência muito forte de a crítica literária esquecer das vanguardas do início do século XX, como se elas não tivessem sido de extrema importância para a linguagem de todas as artes.
O alemão Kurt Schwitters, nascido em 1887 e morto em 1948, antes de ser um poeta, era um artista, vinculado ao dadaísmo. Criado por Tristan Tzara, o dadaísmo, tal como o futurismo, foi inicialmente liquidado. Hoje, se vê que influenciou artistas como Marcel Duchamp e John Cage.


As primeiras manifestações da vanguarda foram, como observa Paz, “cosmopolitas” e “poliglotas”. Thomas F. Marinetti, criador do futurismo, por exemplo, escreveu seus manifestos em francês e foi polemizar em Moscou e em São Petersburgo com os cubo-futuristas russos. A vanguarda trouxe o simultaneísmo, poética originada no cubismo e no futurismo. Como salienta Paz, uma das ideias centrais do cubismo era o simultaneísmo, que está ligado ao estruturalismo de Roman Jakobson e à montagem cinematográfica, tal como foi empregada por Sergei Einstein. Os futuristas deram ao simultaneísmo a “sensação” e o “movimento” – mesmo que ligando à guerra e ao surgimento dos automóveis, por exemplo, sendo incorporado lamentavelmente pelo discurso fascista. Quando proclamaram uma estética da sensação, os futuristas abriram as portas à temporalidade. Consequentemente, o futurismo manifestou seu desejo não pelas “construções do porvir”, mas pelas “destruições do instante”.


Enquanto um poema de Mallarmé ou de Valéry, assinala Paz, é um “símbolo de símbolos”, um quadro cubista “é a ideia de um objeto exposta como um sistema de relações”. Se há semelhanças no que se refere ao fato de que no poema simbolista e no quadro cubista o visível revela o invisível, esta revelação se dá por maneiras distintas. No poema, “o símbolo evoca sem mencionar; no quadro, as formas apresentam sem representar”. Dessa maneira, o simbolismo foi transposição (Mallarmé), enquanto o cubismo, representação. Paz explica que na obra de Apollinaire há um trânsito entre transposição e representação, o que pode ser constatado tanto em Alcoois quanto em Calligrammes. Apollinaire se viu influenciado por alguns poemas de Blaise Cendrars, cuja obra também é destacada por Marjorie Perloff em O momento futurista, além de ter servido de banquete para Oswald de Andrade aplicar sua antropofagia no modernismo de 22. Os poemas de Cendrars também ganhariam um eco significativo, em terras francesas, na poesia de Pierre Reverdy, autor destacado por Paz também na cronologia não linear de seu Os filhos do barro.


Incorporando elementos do futurismo e do cubismo, Kurt Schwitters é um dos poetas de vanguarda mais desafiadores. Mário Faustino o considera como “um dos primeiros artistas visuais abstratos, o mais importante poeta dadá de língua alemã, o principal cultivador de sons-poema”. Tem como principais influências August Stramm e Rauol Hussman. A partir do contato com a obra deste, conta Faustino, fez sua Ursonate, na qual trabalhou entre 1921 e 1932. Este é um poema, segundo Moholy-Bagy, de 35 minutos de duração, “contendo quatro movimentos, um prelúdio e uma cadência no quarto movimento. As palavras usadas não existem, ou melhor, poderiam existir em qualquer língua; não têm contexto lógico, e sim apenas emocional; afetam o ouvido por suas vibrações fonéticas, à maneira de música”. Depois, como conta Faustino: “Recita seus poemas – magnificamente, segundo todos os testemunhos – por toda a Alemanha. Sua poesia é, também, por incrível que pareça, um sucesso editorial – além do sucesso dramático das declamações. Participa do movimento dada em várias cidades da Alemanha e da Holanda, com van Doesburg. Amizade com Moholy-Nagy e com Mies van der Rohe. Relação amistosa com os dadaístas franceses e, mais ainda, com o franco-germânico Arp. Mais tarde integra-se plenamente nos movimentos abstracionistas da Alemanha e, também, da França (...). Com o nazismo, deixa a Alemanha. Noruega. Inglaterra. Vive miseravelmente. Melhora depois da guerra, para falecer, na Inglaterra, em 1948”.


Preso ao rótulo do dadaísmo (sobretudo por causa da revista, de inspiração dadaísta, que publicava, Merz), ninguém quase sabe que Schwitters fez poemas e não só colagens com as quais ficou conhecido. Segundo Hans Richter, em Dadá: arte e antiarte, ele “era PELA arte de maneira absoluta e irrestrita, durante 24 horas por dia. Seu gênio não tinha nada em comum com a modificação do mundo, dos valores, do presente, passado ou futuro, nada com tudo aquilo que se anunciava em Berlim com alarde. Ele não falava em 'morte da arte', 'a-arte' ou 'antiarte'. Pelo contrário – cada bilhete de bonde, cada envelope, papel de embrulhar queijo, anel de charuto, solas de sapato rasgadas, fitas, arames, penas, panos de chão, tudo o que tinha sido jogado fora...tudo isso era envolvido pelo seu amor e reencontrava um lugar de honra na vida, isto é, na sua arte”. Ou seja, “Tudo nele era livre; tudo era presidido por um espírito no qual reinava a natureza. Nenhum ressentimento, nenhum vestígio de impulsos recalcados. Tudo vinha diretamente das profundezas à superfície, sem hesitações, pronto, acabado”.

2 comentários:

  1. Muito bom post... eu pesoalmente não conhecia esse artista que ao que parece é um dos grandes da vanguarda.

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  2. Getulio, agradecemos pelo comentário e ficamos felizes com o fato de que o post tenha dado a possibilidade de conhecer Kurt Schwitters.

    Abraços
    André Dick
    Nicole Cristofalo

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